Beyond the Dark Portal

ATENÇÃO: esta resenha contém informações reveladoras sobre o enredo de “Beyond the Dark Portal”.

 

Beyond the Dark Portal poderia ser intitulado “Tides of Darkness parte II”. Neste livro, a queda da Horde na Segunda Guerra, dramatizada no romance anterior, torna-se somente um revés ao poderio de um mundo guerreiro que se recusa a declarar derrota. Com a reabertura do Dark Portal, as forças da Alliance precisarão exumar a Segunda Guerra, para, de uma vez por todas, vencer a necromancia da Horde e impedir a destruição não somente de Azeroth, berço da humanidade, mas de todo o universo. Dessa vez, a Horde descobrirá o verdadeiro significado de resistência, na medida em que a Segunda Guerra acontecerá em seu próprio mundo – Draenor.

Nesta resenha na série Warcraft, atentaremos às transformações pelas quais a civilização dos orcs passou nos anos que circunscrevem sua unificação e as três sucessivas grandes guerras protagonizadas por eles, numa série de tramas que vão de seu apogeu à sua queda, para identificarmos as mudanças mentais ocorridas no núcleo dessa cultura e, com efeito, questionar o carácter guerreiro da Horde. Nesse percurso, será necessário identificar esse caráter como o elemento fundante da cultura dos orcs, para vislumbrarmos as possíveis rupturas e permanências no conjunto de crenças e ideais que a constituem e, desse modo, caracterizam a Orcish Horde. Com isso, será possível compreender o processo de desvanecimento de uma civilização guerreira nobre, que culmina, em Beyond the Dark Portal, numa colcha de retalhos de orcs, por meio da qual há a propagação de pura violência e banho de sangue. Continuar lendo “Beyond the Dark Portal”

Tides of Darkness

ATENÇÃO: esta resenha contém informações reveladoras sobre o enredo de “Tides of Darkness”.

 

Nesta resenha inserimo-nos na guerra entre Orcs vs. Humans e vamos nos aventurar em um dos maiores conflitos da história de Azeroth: a Segunda Guerra. Em uma luta de dimensões globais, as diferentes nações e povos mobilizam-se para impedir o avanço de um inimigo em comum: a Horde. No clima de batalhas que envolvem todas as nações da humanidade a fim de proteger o mundo contra seus invasores, Aaron Rosenberg apresenta-nos um enredo em ebulição do começo ao fim, como um caldeirão cheio de elementos fantásticos.

Neste embate entre a humanidade e os orcs, iniciado com a invasão do mundo por esses seres alienígenas e pela destruição do Reino de Azeroth na Primeira Guerra –desenvolvido no romance anterior desta série e analisado na resenha de The Last Guardian (Da Paz, 2016), os orcs decidiram, depois de vencer a Primeira Guerra, rumar para o Norte e dominar todo o mundo. Naquela resenha vimos que, em meio a essa luta, Medivh, Garona, Khadgar e Anduin Lothar protagonizaram uma trama que proporcionou o desenvolvimento de reflexões sobre problemas filosóficos fundamentais, como questões sobre realidade e sobre liberdade. Agora, liderados por Orgrim Doomhammer, não mais sob o comando injusto de Blackhand e de Gul’dan, a Horde busca conquistar o mundo de modo que seu povo possa, finalmente, deixar de lado as guerras e prosperar honradamente nesse novo mundo rico em provisões e em terras férteis – num profundo contraste em relação ao planeta infértil dos orcs. No entanto, Gul’dan e seus warlocks, apesar de jurarem sua lealdade a Doomhammer, continuaram a levar a efeito seus esquemas e subterfúgios por detrás dos panos.

Com efeito, deste embate entre justiça e injustiça temos no enredo um prato cheio para a compreensão de como, por diferentes meios, é possível levar a efeito o comando de um povo ou de uma nação. Doomhammer, Gul’dan, os monarcas humanos e os líderes das outras raças governam seus povos de maneiras muito diferentes. Na luta por supremacia, nem sempre as ações justas são capazes de vencer uma guerra. Há momentos em que parece ser necessário agir injustamente, tendo em vista a vitória e a supressão do inimigo. Apesar disso, para que seja possível realizar qualquer feito em geral, parece ser necessário haver algum nível, por mais tímido que ele possa ser, de justiça entre os indivíduos envolvidos na iniciativa. Mergulhados nesse caldeirão mágico e fantástico da Segunda Guerra em Azeroth, formularemos a seguinte reflexão: será que a injustiça, de certo modo, é superior à justiça em uma luta por supremacia? Caso a injustiça seja superior nesse contexto, será que é possível realizar efetivamente qualquer feito de modo completamente injusto? Continuar lendo “Tides of Darkness”

The Last Guardian

ATENÇÃO: esta resenha contém informações reveladoras sobre o enredo de “The Last Guardian”.

Artigo publicado na edição Nº74, de setembro de 2016, Fantasia Fantástica e Filosofia, da Revista Pandora Brasil, ISSN 2175-3318.

 

The Last Guardian é provavelmente a narrativa mais filosófica de todo o universo de Warcraft. Do início ao fim, com Jeff Grubb as personagens refletem sobre a realidade, sobre liberdade, como também sobre verdade, ao longo de suas mais de 300 páginas. Ao mesmo tempo, as personagens encontram-se imersas no coração da magia de Warcraft, num momento que se situa entre o estabelecimento dos primeiros reinos em Azeroth e a solidificação do maior conflito dessa série: Orcs vs. Humans.

Nesse capítulo da história, podemos entender o desenvolvimento do enredo no período da Primeira Guerra, cenário em que a Horde derruba a poderosa capital Stormwind, acabando com a raça humana no Reino de Azeroth – cenário em que o filme Warcraft é baseado. Nas resenhas anteriores, em Rise of the Horde e em Unbroken, por uma perspectiva de enredo entendemos o surgimento da Horde em Draenor, seu conflito com os draenei, as consequências de seu pacto com a Burning Legion, a construção do Dark Portal e a sobrevivência do povo draenei. Em nossas análises, por sua vez, refletimos sobre a democracia, sobre os choques culturais entre diferentes sociedades, bem como sobre o sofrimento e seu lugar em nossas vidas.

Agora, o enredo de The Last Guardian narra a invasão dos orcs em Azeroth e seu conflito com a humanidade. A estrutura central do enredo, no entanto, gira de em torno de questões muito mais fundamentais: será que o universo opera cosmologicamente como um mecanismo implacável, representado pela figura de um relógio? Ou será que, pelo contrário, ele opera como uma ampulheta, sem a determinidade de ponteiros e de uma estrutura racionalmente ordenada? Será que temos liberdade para construir a nós mesmos através de nossas ações ou será que somos determinados a representar o papel que nos é imposto por natureza? E, finalmente, mesmo se fôssemos livres para racionalmente escolher como agir, será que seríamos livres em detrimento ao nosso próprio corpo e à própria natureza, isto é, às nossas necessidades e aos nossos desejos e a tudo aquilo que nos cerca? Em outras palavras, será que a nossa vontade é livre? Para refletirmos sobre essas questões, devemos primeiramente embarcar de cabeça na magia da torre de Karazhan. Continuar lendo “The Last Guardian”

Unbroken

ATENÇÃO: este texto contém informações reveladoras sobre o enredo de “Unbroken”.

Artigo publicado na edição Nº74, de setembro de 2016, Fantasia Fantástica e Filosofia, da Revista Pandora Brasil, ISSN 2175-3318.

 

Na primeira resenha de Warcraft, em Rise of the Horde, pudemos entender, através do início do desenvolvimento do enredo desta série, a relação entre os draenei, a Burning Legion, os orcs e Azeroth, assim como pudemos refletir sobre a democracia, suas contradições e seus limites em um tempo de muita passividade política e pouco posicionamento crítico. No que diz respeito ao enredo, contudo, a história terminou inconclusiva, na medida em que se tratava apenas do primeiro passo de uma jornada através de mais de 40 livros.

Micky Neilson escreveu a continuação de Rise of the Horde, com uma história angustiante e reveladora, campo fértil para a reflexões: Unbroken. Essa narrativa parte da continuação do clímax da anterior, quando a Horde, após destruir todas as cidades e refúgios dos draenei e utilizar o sangue de Mannoroth como propulsor para aumentar sua força consideravelmente, converge suas forças para a capital dos draenei, Shattrath City. A narrativa de Christie Golden, sobretudo pelo ponto de vista dos orcs, não apresentou os acontecimentos concernentes à batalha de Shattrath City, à destruição dos draenei, a seu futuro e ao desfecho desse ciclo. É Unbroken que estabelecerá a ligação entre as histórias e cronologicamente formará um elo no enredo de Warcraft, de Rise of the Horde até Night of the Dragon.

Em Unbroken, o sofrimento surge como o eixo para as reflexões de Nobundo, o protagonista desta história. Unbroken foi preparado com ingredientes para pensarmos o modo com que lidamos com o sofrimento, com a pressão social e com os desafios diante do fracasso em nossas vidas. Antes de analisarmos essa história, precisamos conhecê-la e entender como o sofrimento se articula com o desenvolvimento dessa personagem.

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Rise of the Horde

ATENÇÃO: este texto contém informações reveladoras sobre o enredo de “Rise of the Horde”.

Artigo publicado na edição Nº74, de setembro de 2016, Fantasia Fantástica e Filosofia, da Revista Pandora Brasil, ISSN 2175-3318.

 

Rise of the Horde, de Christie Golden, é uma narrativa fantástica em que questões como a intolerância, o ódio e o preconceito, a democracia, a liberdade e o poder, auxiliam na reflexão sobre nosso próprio papel na sociedade, assim como sobre a importância de um pensamento crítico em relação ao posicionamento político. A fim de discutirmos possíveis problemas que essa leitura pode suscitar à reflexão, temos que, no mínimo, conhecer o enredo desta narrativa.

Em Draenor, um mundo predominantemente verde e cheio de vida, duas sociedades coexistiam harmoniosamente. De um lado, os draenei, criaturas humanoides de aspecto azulado, com cascos de cabras sob os pés, longas caldas e um porte físico ligeiramente maior do que o dos humanos, viviam em cidades tecnologicamente desenvolvidas. Os orcs, por sua vez, dividiam-se em clãs independentes, no seio de uma sociedade tribal, reunindo-se apenas para a celebração anual dos ancestrais em Oshu’gun; sua pele marrom-escura e sua constituição física robusta e levemente recurvada tornavam-nos parecidos com gorilas bípedes. Essas duas sociedades, apesar de distintas, tiveram pouco contato ao longo dos séculos em que coexistiram no mundo de Draenor. Continuar lendo “Rise of the Horde”

O que é Fantasia Fantástica?

Artigo publicado na edição Nº74, de setembro de 2016, Fantasia Fantástica e Filosofia, da Revista Pandora Brasil, ISSN 2175-3318.

 

Nas masmorras mais profundas dos desfiladeiros da perdição, nos bosques imortais protegidos pelas dríades filhas da natureza, nos campos de batalha onde legiões de centauros enfrentam-se destemidamente em busca de sangue e glória, nas terras sombrias dos mortos-vivos ou até mesmo no covil dos lobisomens: por detrás de todos esses lugares subjaz um elemento comum que lhes confere sua unidade – a Fantasia Fantástica. Lá encontramos a sutileza do medo que possibilita o triunfo da coragem, assim como encontramos os desafios de seres que jamais precisaram preocupar-se com a morte – até o instante em que perdem sua imortalidade; a busca por supremacia apresenta-se como uma constante entre as mais distintas e únicas formas de vida mágicas; na mais profunda escuridão, nos vales do limiar da vida, no momento de maior desespero, ainda há esperança para a redenção e para a vitória.

No entanto, o que faz com que as narrativas em que esses elementos são desenvolvidos sejam consideradas Fantasia Fantástica? Há uma infinidade de histórias com personagens mágicas, com encantamentos, com lobisomens, até mesmo com mortos-vivos, embora todas não sejam necessariamente Fantasia Fantástica. Por isso, precisamos formular uma pergunta fundamental: o que permite afirmarmos que uma narrativa pertence a esta forma de linguagem chamada Fantasia Fantástica? O que é, pois, a Fantasia fantástica? Em primeiro lugar, temos de esclarecer de modo expresso e explícito o que é tanto, por um lado, Fantasia quanto, por outro, Fantástico, para que seja possível buscar definir com mais segurança o que é Fantasia Fantástica. Continuar lendo “O que é Fantasia Fantástica?”

Ontologia da Fantasia Fantástica

Artigo publicado na edição Nº74, de setembro de 2016, Fantasia Fantástica e Filosofia, da Revista Pandora Brasil, ISSN 2175-3318.

Desde as grandes batalhas contra os exércitos de orcs até as jornadas por terras gélidas e distantes de reinos perdidos, a Fantasia Fantástica conquista o coração de aventureiros destemidos. Talvez o desafio de enfrentar criaturas assustadoras como dragões, ou até mesmo os temíveis mortos-vivos, faz com que as personagens desses mundos distantes tornem-se muito mais próximas de nós, que lutamos diariamente contra ‘dragões’ em nossas vidas. Depois de tantas horas imersos nessas narrativas, muitas vezes passamos a conhecer e compreender as personagens e ‘seus mundos’ melhor do que compreendemos o ‘nosso mundo’.

Diferente da ‘Fantasia Realista’, que pode, em linhas gerais, ser definida como uma forma de linguagem expressa por meio de narrativas em que o real é apresentado de modo alegórico, como num ‘faz de conta’, porém a utilizar como estrutura cosmológica de seu enredo a mesma estrutura em que o próprio autor está inserido, a Fantasia Fantástica, diferentemente, possui como elemento essencial o contato direto ou indireto com lugares cujas cosmologias são fundamentalmente distintas da do autor. Isso significa que, por um lado, a Fantasia Realista expressa sua linguagem por meio de narrativas desenvolvidas em nosso próprio universo físico, em nossa própria galáxia, em nosso próprio planeta, nos diversos continentes e países espalhados ao redor do globo, de modo a operar através do nexo causal característico da nossa natureza física, aquilo que em linguagem comum costumamos chamar de mundo real; ao passo que, por outro lado, a Fantasia Fantástica apresenta cosmologias completamente distintas, em universos e mundos diferentes dos nossos, ou em lugares em nosso mundo cuja estrutura cosmológica fundante, bem como sua entrada, são inacessíveis ao ser humano comum, permeados por elementos mágicos e encantados a operar como base de seus nexos causais, cujo conteúdo é composto fundamentalmente por objetos da imaginação. Na medida em que esta última contrasta com a estrutura ‘realista’ daquela primeira, alguns problemas decorrem de considerarmos ambas formas de linguagem a mesma coisa. Dentre eles, há uma questão em especial que pode nos ajudar a nortear nossa investigação sobre o que é Fantasia Fantástica: será que a Fantasia Fantástica é um escape da realidade? Dito de outro modo: a Fantasia Fantástica nos afasta do real?

Para responder a essa questão rigorosamente, precisaríamos, em primeiro lugar, estar de acordo sobre o que é realidade. Em vez de solucionar nosso problema, colocaríamos outro de proporções muito maiores. Parece mais razoável, em vez disso, apresentar algumas características estruturais da Fantasia Fantástica, mais especificamente analisá-la por uma perspectiva ontológica, para que possamos nos aproximar minimamente da discussão sobre o que é realidade. Assim, na medida do possível, poderemos com um pouco mais de cuidado questionar se a Fantasia Fantástica diz respeito ao real ou se, pelo contrário, ela diz respeito ao que não é real e ao ilusório. Continuar lendo “Ontologia da Fantasia Fantástica”